ERNEY FELÍCIO PLESSMAN DE CAMARGO (In memorian)

O professor Erney teve uma trajetória científica e cidadã exemplar. Fez parte de um seleto conjunto de cientistas expurgados pela ditadura militar, vários deles tendo-se destacado em pesquisas voltadas aos mais pobres, como, no seu caso, o estudo da malária. Com uma visão abrangente na área de doenças negligenciadas, atuou fortemente ao longo de sua carreira na Amazônia, África e América do Sul, bem como se dedicou ao Programa Pro-África. Tanto se fez presente nos grandes centros de pesquisa, como o Instituto Pasteur de Paris, quanto naqueles que constituem o futuro do mundo – os povos oprimidos do hemisfério Sul. Essas colaborações foram importantes para coleta e para o avanço do estudo da diversidade, taxonomia, filogenia e evolução de tripanosomatídeos. A preocupação social foi desde cedo um traço de caráter seu, valendo-lhe a cassação pela ditadura militar e o exílio, que lhe proporcionou desde cedo o reconhecimento internacional. De volta ao Brasil, foi professor da Escola Paulista de Medicina (EPM) e, posteriormente, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP e ascendeu a posições importantes na política científica. Na USP, sua alma mater, onde começara sua carreira com a graduação, mestrado e doutorado na Faculdade de Medicina, veio a ser pró-reitor de Pesquisa e, nesta condição, criou os núcleos de pesquisa, liberando-os dos entraves burocráticos da organização departamental. Recebeu da USP o título de Professor Emérito. Militou na política científica e foi presidente do CNPq, no governo Lula, ampliando muito o número de bolsas concedidas pelo órgão, inclusive as de produtividade em pesquisa. Foi também presidente do Instituto Butantã, da Fundação Zerbini e da Fundação Conrado Wessel.

Com esta exemplar trajetória, a SBPC não poderia deixar de registrar a grande perda que o falecimento do Professor Erney representa para a ciência brasileira, ao mesmo tempo que saúda seu legado, em termos de ciência, de formação de pesquisadores e de avanços na política científica e acadêmica.

FÁBIO DE OLIVEIRA PEDROSA

O Professor Fábio Oliveira Pedrosa é um dos mais renomados e célebres professores da Universidade Federal do Paraná. Em seus mais de 50 anos de atuação como professor e pesquisador da instituição, ele construiu um conjunto considerável de colegas e amigos, fruto direto de sua simpatia e amabilidade, que sempre o destacaram na comunidade universitária da UFPR e em inúmeras outras instituições com as quais colaborou. Engenheiro Agronômico, cursou o mestrado e o doutorado em Bioquímica; no exterior realizou pós-doutorado em Fisiologia da Fixação Biológica de Nitrogênio na Universidade de Sussex. Para além do campo científico, do ensino e da pesquisa propriamente dito, o Professor Pedrosa teve uma destacada atuação na estruturação da universidade, tendo assumido vários cargos de liderança administrativa e a coordenação de cursos e de comitês científicos, funções que foram fundamentais para consolidar a pesquisa na UFPR. Ele teve uma presença marcante e ativa na formação de dezenas de estudantes ao longo de sua trajetória; destes algumas dezenas foram por ele orientados com maestria e excelência nos níveis de mestrado, doutorado e pós-doutorado. Mesmo aposentado há mais de duas décadas o Professor Pedrosa continuou atuando no ensino e na pesquisa, como Professor Sênior, tendo aportado importantes avanços para o campo da Bioquímica na UFPR e em várias outras instituições do Paraná, do Brasil e do Mundo. A importância de sua contribuição científica recebeu o reconhecimento da comunidade científica do Estado do Paraná e do Brasil, que o agraciaram com os Prêmios Paranaense de Ciência e Tecnologia (Governo do Estado do Paraná) e Ordem Nacional do Mérito Científico (Governo Federal). Outro reconhecimento muito importante veio a ser lhe conferido pela Academia Brasileira de Ciências em 2011, quando ele foi para ela eleito Membro Titular.

O Prof. Pedrosa tem contribuído de maneira exemplar na formação de pessoas e para a pesquisa científica sobre fixação de nitrogênio e crescimento vegetal; ele é pioneiro na criação de tecnologias agrícolas sustentáveis. Sua contribuição é de alta relevância no desenvolvimento de tecnologias e insumos à agricultura, com benefícios para o setor agrícola e a sustentabilidade ambiental, especialmente em pesquisa no campo da genômica, sobre bactérias fixadoras de nitrogênio capazes de promover o crescimento de plantas. Uma de suas principais conquistas foi a seleção e caracterização de cepas de Azospirillum brasilense, amplamente utilizadas como inoculantes na agricultura brasileira, em cultivos de milho, trigo e soja. Essas bactérias são aplicadas em milhões de hectares, proporcionando uma alternativa sustentável aos fertilizantes nitrogenados convencionais.

MARIA DA CONCEIÇÃO DE ALMEIDA TAVARES

É considerada a maior economista brasileira. Nascida em Portugal, graduou-se em matemática na Universidade de Lisboa, em 1953, e logo mudou para o Brasil em 1954 por causa da ditadura salazarista. Chegou na era de Juscelino, mudou de área e decidiu naturalizar-se brasileira em 1957. Foi professora titular da UNICAMP e é professora emérita da UFRJ, onde produziu robusta literatura econômica. Refletiu principalmente sobre os dilemas do desenvolvimento tardio e periférico, criticando o pensamento econômico conservador.

Foi uma das criadoras da pós-graduação em economia no Brasil — curiosamente, junto com três colegas que seriam ministros da ditadura militar, à qual ela se opôs com a coragem que a caracteriza. Teve atuação política, primeiro com o então MDB e, mais tarde, com o PT, pelo qual se elegeu deputada federal em 1994. Sempre foi uma lutadora pelo desenvolvimento econômico soberano de nosso País e pela inclusão social.

É muito triste notarmos que, enquanto sua pátria de berço superou seus problemas, sua pátria de adoção ainda enfrenta os dramas de 70 anos atrás. Mas devemos lembrar que o Brasil, por sua dimensão demográfica e geográfica, tem pela força das coisas desafios elevados, que com sua reflexão e atuação ela contribui para enfrentar sem medo.

Saudamos então uma trajetória ímpar, que associa conhecimento científico, projetos econômicos e um compromisso sólido com a justiça social.